Não me lembro se foi quando nasci, ou alguns anos depois, que ganhei uma pinta no lado direito da barriga. Ela era o meu charminho. A minha pinta na barriga.
Lembro-me de como ela aparecia quando eu usava biquíni em Guaecá. A pinta combinava com a praia. Ela aparecia quando eu mostrava o meu corpo às outras pessoas, enquanto brincava, corria ou surfava.
Em algum momento entre uns 10 e 12 anos, eu passei a sentir raiva daquela pinta. "Ela é muito grande!", "todo mundo deve achar que ela é feia!", "ninguém tem uma pinta assim!". Todos os dias eu pensava, e insistia aos meus pais, que queria arrancá-la do meu corpo. Minha marca, minha memória da praia, se tornara minha maior ameaça.
Insistente que era, fui até o fim na ideia de arrancar aquela pinta. Fui ao cirurgião plástico amigo dos meus pais, que fez uma micro-cirurgia para tirar o incômodo de mim.
Na escola, mostrei a todos os meus amigos o curativo que encobria os pontos dados na minha barriga. Me orgulhava de mostrar a eles que havia retirado do meu corpo aquilo que me diferenciava deles. Agora eu poderia ser igual. Era isso que eu queria.
A cicatriz na minha barriga me olha, triste, diariamente.
quinta-feira, 28 de janeiro de 2016
quarta-feira, 13 de janeiro de 2016
Volta para São Paulo
No carro, minha respiração acelera. Meu ar parece querer sair de mim. Desequilibra-se em outros. Vai se do dissociando do que conquistei estando junto a mim.
Como pode o mar da praia unir os meus pedaços e o mar da cidade jogá-los para o ar como se não fossem meus?
São Paulo cria necessidades e carências em mim. "Venha", "faça", "fale", "responda", "exista gritantemente", "não fique parada", "pense, pense, pense", "planeje-se".
Existir em silêncio parece uma impossibilidade paulistana. Uma impossibilidade minha. A ausência de sons e fazeres ameaça o ser na cidade.
Aqui, o silêncio do outro me atormenta. Enxergar o outro e enxergar-me com outros é mais difícil. Surgem, da sombra, fantasias de desafeto, abandono, incompletude, angústia.
Na dor, caminho. Caminho em busca dos poucos verdes que há por aqui. Caminho em busca do mar. Da união. Da unidade que permite a vida.
A criança que vive em mim - e em todos nós - precisa da natureza para brincar livremente e dançar com suas memórias. Só assim é possível ser.
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