domingo, 13 de dezembro de 2015

"Oi, preciso conversar"

"Oi, preciso conversar". A menina ensaiava essa frase repetidas vezes dentro de sua cabeça. Gostaria de dizer isso a alguém que ela não sabia bem quem era. Sabia que era alguém que não poderia ouvi-la. Alguém que estaria ocupada demais com trabalho, família, pendências de fim de ano. Alguém a quem ela sempre pedia desculpas por desabafar. "Desculpa se estou te enchendo". 

Toda vez que tentava dizer "oi, preciso conversar", dizia qualquer outra coisa para substituir. "Estou com saudades!", "qual o contato daquela pessoa, mesmo?", "vou fazer um churrasco aqui em casa, quer vir?". Qualquer coisa que não fosse "oi, preciso conversar". 

E seguia sentindo que suas angústias eram pequenas, seguia pensando em como a outra pessoa receberia seu pedido de ajuda, de afeto. Via, do outro lado da tela, alguém que dizia "de novo ela com seus desabafos sem sentido, que chatice!". 

Essa imagem travava suas palavras. Digitava algumas vezes "oi, preciso conversar" e não enviava. Por medo do que a outra pessoa iria pensar, seguia acreditando que ser adulta era engolir o choro, era não dizer "oi, preciso conversar", para não atrapalhar ninguém. 

domingo, 29 de novembro de 2015

A lua e a borboleta

Lua cheia. Eu e ela, sozinhas na noite. Forte, brilhante, intensa, ela olha para mim. Queria ter a força silenciosa da lua.

Borboleta no meu quarto. Como ela foi parar lá? Quero libertá-la. Tenho medo de machucá-la, de me machucar ao machucá-la. Ela me encanta e me assusta. Tento pegá-la. Arranco parte de sua asa. "Eu sou um monstro por querer te libertar", penso e tremo. Ela tenta mas não consegue fugir.

Apago a luz. Quem sabe ela não dorme, ou morre ao meu lado. Mas não, ela quer voar. Insiste em se mexer enquanto tento dormir.

Parece que não conheço outra forma de libertar a borboleta a não ser a ferindo.

Vou ao quarto dos meus pais. Meu pai diz que não sabe como ajudar. Está com sono. "Pegue a borboleta com uma toalha, filha", diz minha mãe.

Abracei a borboleta com a toalha e a libertei pela janela. Teria ela morrido depois de ter sido solta? Não olhei para baixo para checar.

Parte da sua asa ainda está no tapete do meu quarto.

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Escrever para recriar encontros

No meio de tanta coisa esquisita acontecendo dentro e fora de mim, tenho escutado palavras maravilhosas em encontros muitos especiais.

Semana passada, a Janaina Peresan, arte-educadora, me disse que acredita na pedagogia do carinho, do acolhimento.


Clarice Niskier, na peça "A alma imoral", diz que cada um tem seu tempo, pra tudo... Em um momento do monólogo, ela faz um intervalo, para repetir trechos que não tenham ficado claros para a plateia.


O Patrício, professor de Educação Física, afirmou hoje que oponentes podem ser parceiros, na medida em que exigem mais de nós. "Os oponentes não precisam ser adversários".


No meio desses encontros, a Priscila-criança que vive dentro de mim me fez um pedido especial:

- Tenho medo da morte desses encontros. De que esse sentimento quentinho desapareça. Podemos nos abraçar e abraçar essas pessoas pra sempre?

E eu digo a ela:

- Prometo que vou tentar. Talvez seja isso o que chamam de memória, né?

quarta-feira, 17 de junho de 2015

Atraves-sou

Tentei fugir deste texto o máximo que pude. Preenchi minha semana com tarefas e mais tarefas. Passei os dias com a preocupação de erguer muros que me impedissem de ver qualquer coisa que não fosse superfície. Mas não posso mais. É preciso dizer e descascar tudo até chegar no centro da minha palavra.
Tenho medo de escrever sobre mim porque desconheço o abismo em que cairei. Ao dançar por este papel, flutuo entre os pensamentos e a certeza da palavra escrita. Cada linha reflete minha finitude e meus recomeços. A ordem das palavras protege a desordem de meu ser. E ao me proteger para o mundo, posso enlouquecer por dentro.
Meus contrários tentam se destruir, me destruir. Desassossegam minha alma e me fazem desmaiar na multidão. A massa que me arrebata é a força que pulsa por dentro. Vejo-me espalhada em outros seres. Sou também os outros. Ando por ruas lotadas e sucumbo ao vidro que corta e jorra sangue.
Encontro com o meu não-eu e nos perdemos em abraços. Paixão e raiva. Quem seria eu senão o encontro com o meu vazio? Prazer. Pulsa por dentro o desejo de me fundir aos contrários, de me perder em transe até o enlouquecimento. Orgasmo-morte. Mergulho até o fundo, sem ar, e arrasto meu dedo na areia da morte.
Retorno à superfície com grãos em meu corpo que me arranham de dor. Ela está em mim. Sou com dor. Mas a dor é o todo que amanhã é parte. O cheio e o vazio que se fundem e tentam, em vão, gritar em repulsa. Existo na força que pulsa no encontro entre opostos. O centro não pode ser pronunciado; se o for, deixo de existir.
Minha travessia é meu susto transformado em vida. O norte forma-se a partir da vertigem que existe entre o conhecimento e o desconhecimento. Um pulso vital irrompe e voa pela eternidade. Atravesso-me pelas palavras. Piso na terra. Posso ver meus contornos no espelho do silêncio.