quarta-feira, 17 de junho de 2015

Atraves-sou

Tentei fugir deste texto o máximo que pude. Preenchi minha semana com tarefas e mais tarefas. Passei os dias com a preocupação de erguer muros que me impedissem de ver qualquer coisa que não fosse superfície. Mas não posso mais. É preciso dizer e descascar tudo até chegar no centro da minha palavra.
Tenho medo de escrever sobre mim porque desconheço o abismo em que cairei. Ao dançar por este papel, flutuo entre os pensamentos e a certeza da palavra escrita. Cada linha reflete minha finitude e meus recomeços. A ordem das palavras protege a desordem de meu ser. E ao me proteger para o mundo, posso enlouquecer por dentro.
Meus contrários tentam se destruir, me destruir. Desassossegam minha alma e me fazem desmaiar na multidão. A massa que me arrebata é a força que pulsa por dentro. Vejo-me espalhada em outros seres. Sou também os outros. Ando por ruas lotadas e sucumbo ao vidro que corta e jorra sangue.
Encontro com o meu não-eu e nos perdemos em abraços. Paixão e raiva. Quem seria eu senão o encontro com o meu vazio? Prazer. Pulsa por dentro o desejo de me fundir aos contrários, de me perder em transe até o enlouquecimento. Orgasmo-morte. Mergulho até o fundo, sem ar, e arrasto meu dedo na areia da morte.
Retorno à superfície com grãos em meu corpo que me arranham de dor. Ela está em mim. Sou com dor. Mas a dor é o todo que amanhã é parte. O cheio e o vazio que se fundem e tentam, em vão, gritar em repulsa. Existo na força que pulsa no encontro entre opostos. O centro não pode ser pronunciado; se o for, deixo de existir.
Minha travessia é meu susto transformado em vida. O norte forma-se a partir da vertigem que existe entre o conhecimento e o desconhecimento. Um pulso vital irrompe e voa pela eternidade. Atravesso-me pelas palavras. Piso na terra. Posso ver meus contornos no espelho do silêncio.