Querido texto,
Faz um tempão que a gente não conversa, né?
Vim aqui pra te dizer que vc faz uma falta danada na minha vida. Até que vc tenta aparecer de vez em quando, naquelas anotações soltas e meio desconexas nos cadernos que eu sempre levo na mochila. Mas tem sido raras as vezes em que eu paro pra organizar essas palavras, dar uma forma a vc e te colocar para os outros te lerem.
Vc apareceu na minha vida, de fato, em 2013. Lembra disso? Me ajudou a segurar uma barra bem pesada. Quando eu pensei que fosse enlouquecer de verdade, vc vinha e me chamava pra bater um papo. Aí a gente organizava juntos e em palavras o que era muito difícil de ver e sentir.
Eram textos muito loucos que nasciam desses nossos encontros. As palavras brotavam, doíam, e eu pensava que quando vc se apresentasse ao mundo, ninguém ia querer te ler. Na minha cabeça, vc poderia me machucar e machucar muita gente. Eram memórias e histórias paradas por tanto tempo, que eu tive muito medo de me enxergar nelas e de enxerga-las “fora” de mim, assim, pra todo mundo ver.
Lembra aquela vez que a gente falou sobre a morte da Andreia, minha irmã? Caraca. Me lembro muito bem de quando escrevi essa história, em uma aula de técnica de redação na faculdade. De técnica vc não tinha nada, era só aquele turbilhão que parecia que ia me explodir. Minha pálpebra esquerda tremia e eu pensei que fosse desmaiar. Mas vc segurou a minha mão, como quem diz “vc é forte, continua, que eu preciso nascer”. E foi lindo.
O nosso maior interlocutor era um professor querido da faculdade. Pra ele eu não tinha vergonha de te mostrar. Vc podia ter a cara e a forma mais esquisitas, mas ele estava lá de coração e braços abertos pra te ouvir, nos ouvir e nos receber.
De 2013 para cá foram 19 cadernos e bloquinhos que guardo perto dos meus livros, somados às incontáveis anotações no bloco de notas no celular. Quem sabe um dia todos eles não se juntam e decidem virar um livro, hein? Seria massa.
Acontece que agora eu me formei na faculdade. Não tem mais aquele professor pra dar a nota 10 que me assegurava que vc estava bom pra ir pro mundo. Não temos mais aquelas professoras que questionavam, encorajavam, reforçavam que nós éramos ótimos.
Essa coisa de não ter mais professores por perto é difícil, viu. Agora somos só nós dois.
E nesse processo de estarmos sozinhos no mundo, vc deve ter percebido como eu sou dura com vc. Tem dias que nem deixo a ideia amadurecer e já vou logo te abortando. Em outros, eu fico te comparando ao que vc já foi, à linguagem que eu usava pra te criar.
Aquela linguagem parece não te servir mais, é como uma roupa que ficou apertada durante o nosso crescimento. Sei que às vezes eu fico brava quando percebo que a ideia que eu tinha de mim não me cabe mais. Sou resistente pra caramba.
Quando vc decide se mostrar com a sua cara nova, te chamo de contraditório, de simples demais, de bobo, de imaturo, de infantil. Eu não te deixo ser essa criança que, no fundo, eu sei que vc quer ser.
Na real, vc sempre foi criança. Só que nos últimos anos essa criança trouxe muita dor, intensidade e complexidade. E agora vc tem vontade de se manifestar de outras formas, mais leves talvez, e eu insisto em te dizer que o mundo não vai te aceitar assim.
Insisto em dizer que vc tem que voltar a ser como antes, falar com aquela voz adulta séria e pesada. Te digo que vc não pode mostrar pro mundo as minhas alegrias, desejos, tristezas e angústias do jeito que vc quiser. Fico querendo controlar a sua forma de nascer.
Sabe, isso é muito violento… Não posso fazer isso com vc, que sempre está pronto pra me ajudar. Por que eu não permito que vc se manifeste assim, do jeito que vc é hoje, como bem entender? Por que não te deixo ser contraditório, esquisito e até bobo?
Talvez aqui seja importante te dizer que o fato de eu bloquear todas essas suas tentativas de se expressar é muitas vezes reforçado pelo mundo chato em que a gente vive. É um mundo cheio de gente legal, sim, mas também tem muita gente mala que fica julgando, interpretando e maldizendo os textos dos outros. E não falo aqui só dos textos escritos, não. Julgam as nossas falas e até o que não dizemos! Fazem isso sem perguntar o que queríamos dizer. Onde já se viu, né?
E aí hoje eu percebi que eu estava fazendo com vc a mesma coisa que essas pessoas chatas fazem. Não estava te deixando ser feliz! Não estava te deixando dançar pelo mundo. Estava logo te julgando e te expulsando da minha vida. E aí ficamos um tempão separados.
Por isso venho te pedir sinceras desculpas. Desculpas por duvidar de vc, desconfiar das suas mudanças, exigir que vc seja quem não é mais, quem vc não mais precisa ser.
Tudo bem se vc precisar de um tempo pra se recompor de tantos maus tratos. Mas quero te dizer que estou aqui quando vc quiser voltar. Ainda não consigo ser uma adulta tão generosa quanto aqueles professores que tanto te ajudaram a dar os primeiros passos. Mas prometo que vou me esforçar pra ser uma pessoa melhor pra vc e pra mim. Quem sabe a gente não volta a conversar?
Um abraço bem quentinho e com muitas saudades,
Pri