quarta-feira, 28 de março de 2012

O bairro da Luz, das Marias e dos Willians

Quinta-feira. Março de 2012. Centro da cidade. O bairro da Luz mostra a sua complexidade logo na estação de metrô azul-amarela, em que é claro o choque do novo com o antigo, do progresso-antiprogresso engolindo características históricas da região. Propõe-se (ou impõe-se?) uma "revitalização" do bairro, como se a sua vida não existisse mais, como se aqueles moradores não  tivessem um papel, uma história, ou melhor, a sua história para contar.
Maria mora em uma ocupação há mais de vinte anos. Lá vivem muitas outras histórias. Muitas potencialidades. Muitas pessoas incomuns e em comum. A ocupação, que os governantes pretendem colocar abaixo nos próximos anos, parece por eles esquecida: muita umidade, goteiras, falta de iluminação e ventilação, além de muitos insetos transmissores de doenças para os habitantes de um dos prédios mais altos da Luz. Maria afirma ter crescido naquele local e por isso não permitirá que ninguém a tire de lá. Ela tem a esperança de que um dia alguém lhe dê melhores condições de moradia, mas sem ter de ser expulsa do seu próprio lar.
Do outro lado da estação de metrô, um verdadeiro muro divisor de classes sociais, tem-se os museus, símbolos da ilusória e desigual riqueza cultural de São Paulo. O Museu da Língua Portuguesa é visitado pela classe média e alta da cidade, os chamados intelectuais, que percorrem as obras rodeados por câmeras e seguranças. Ao perguntar para um dos monitores se a população da Luz frequenta o local e se eles realizam algum tipo de projeto de inclusão social, ele respondeu apenas que não estava autorizado a dar esse tipo de informação. Ele é um dos muitos enjaulados e calados pelo poder.
Atravessando a rua novamente,Willian, de uns vinte e poucos anos, conta que no sábado seriam comemorados os cinco anos de lutas e conquistas  da ocupação onde ele mora. Na festa, haveria um show de axé com comes e bebes para reunir os moradores. Enquanto isso, a Sala São Paulo (Júlio Prestes) estaria recebendo os empresários e governantes (ou empresários-governantes?) para ouvirem música clássica e depois discutirem a importância cultural do centro e a urgência da demolição daqueles prédios antigos. Nessa discussão, chegariam a uma lógica conclusão: a pulverização da população local atrairia muito os seus amigo$.
Eles estão infinitamente longe de reconhecer a real importância cultural da região, centrada nas Marias e nos Willians, vidas que trabalham,cantam, dançam, lutam e escrevem a verdadeira história da Luz.

terça-feira, 20 de março de 2012

O frio e a escola

Hoje eu vou falar sobre P.  e um pouco das lembranças que tomam conta do seu cotidiano muitas vezes. P. acordou em uma segunda-feira de sol, apesar de frio, com um sentimento estranho; uma nostalgia que invadiu os seus pensamentos e permeou as entrelinhas dos seus livros obrigatórios para a faculdade. Ela pensou na sua escola, já há muito tempo concluída, mas que nunca será, de fato, concluída. Aqueles tempos foram alegres. Aqueles tempos foram acolhedores. Aqueles tempos voltam sempre e sempre. Ela não sabe dizer o porquê, mas quando o frio chega, P. se lembra do inverno na sua escola, em que todos se agasalhavam para adentrar os corredores de concreto do enorme prédio que aparece até hoje em seus sonhos. Naqueles dias, era difícil ter aulas de educação física, a não ser que fosse para ensaiar a dança de fim de ano - muito importante para todos os alunos. Aí, iam todas as meninas (exceto algumas vezes em que a prova de física não deixava P. desfrutar da dança) correndo para o curto ensaio de 45 minutos. Em um certo ano, a aula de história era posterior à dança e a professora M., que se fingia de durona, iniciava os conteúdos sobre um mundo fora daquela escola, fora daquele mini-mundo. Mal sabia P. que aquela exterioridade se revelaria para ela de formas tão diferentes nos próximos anos. Mas mesmo após tanto tempo, P. acorda em uma manhã e se sente subindo as escadas, às 06h59, para mais um dia de risadas, para mais um dia de eternas lembranças.

quarta-feira, 7 de março de 2012

Fones de ouvido solitários

Fim de tarde. Pessoas cansadas. Fones de ouvido. Muitos fones de ouvido. Talvez pela necessidade de introspecção, timidez ou individualismo, cada um que volta para casa do trabalho se fecha para o outro com um simples par de fones de ouvido. Em meio à multidão que se atropela e aos rostos vermelhos de estresse ou às olheiras de exaustão, vejo alguém tocando violão para todos os que passam por ele. Pouca gente o vê. Pouca gente quer vê-lo. Paro por alguns minutos e observo: ele toca uma música tranquila, que acalma o caos daqueles que o percebem ou conseguem diminuir o passo afobado de todo dia. É uma música de todos e para todos, que nos faz lembrar que tocamos a mesma nota, muitas vezes em descompasso, invisível ou solitária devido aos fones de ouvido.

quinta-feira, 1 de março de 2012

Por trás do prato, do café e da conta

É verão em São Paulo. É verão na Paulista. É verão no restaurante, principalmente na sua cozinha. Às oito horas da manhã os funcionários chegam para preparar os ingredientes e os mínimos detalhes dos muitos pratos servidos ao meio dia em um dos restaurantes mais badalados da cidade. Esse pessoal trabalha por sete horas sem parar; lá é assim, um prato atrás do outro, que deve ficar pronto o mais rápido possível para que o típico executivo paulistano possa voltar ao seu trabalho. Conheci de perto a rotina do Sr. O., do J., do G. e do B.; sempre com um humor incrível, esses caras parecem superar o calor e ambiente não lá muito espaçoso da cozinha e da copa, sempre através das cantorias, brincadeiras e muitos sorrisos. Até a M., maranhense, que no começo me pareceu um pouco mais séria e preocupada, entrava logo no jogo das boas energias e as compartilhava! 
Chega o horário de pico: 13h15. Cada um na cozinha está muito concentrado na sua função para fazê-la em segundos,o que às vezes é motivo de trombadas e tensões no estreito espaço da fogão e da grelha. Apesar disso, quando eu passo por cada um deles, o sorriso não some. Um sorriso sincero, daqueles pra se lembrar por um tempão, que dá saudade e de alguma forma transforma.
Nesse cotidiano doido que a gente vive e nos almoços super corridos, sempre há alguém incomum e em comum por trás do suco-macarrão-sobremesa-ocaféeacontaporfavor.