quarta-feira, 11 de setembro de 2013

A cabana de lençóis


* a data correta é 22 de fevereiro de 1995, mas deixarei meu ato falho aí, talvez ele tenha algum significado.

     Tive minha infância interrompida aos sete anos de idade. No dia 21 de novembro de 1997, perdi minha irmã Andreia, que na época estava prestes a completar os seus primeiros nove meses de uma vida doída. Andreia nasceu com paralisia cerebral e talvez por isso tenha preferido abandonar uma família supostamente tão sem defeitos. 

     No dia da morte daquela criança branquinha, fugi para a praça que tenta alegrar as ruas de meu bairro. Bebi suco de uva para tentar engolir algo doce por cima da amargura que inundava aquele momento. A minha raiva frente àquela demonstração da efemeridade da vida travestiu-se de uma resignação opaca, que forçava meu sorriso aos vizinhos preocupados. 
     A partir daquela data, parei de brincar com o mundo que me cercava; vesti a máscara de um adulto sério, cheio de medos das perdas cotidianas. Passei a carregar todos e tudo no colo, como quem protege uma criança da morte. Não me lembro de nenhum acontecimento de antes de Andreia; a Priscila sorridente, que, de acordo com meus pais, corria livre pela fazenda de meus avós, foi trancada em um armário empoeirado. 
     Durante os outros anos de minha pseudo-infância, passei muitas tardes dentro de uma cabana de lençóis que me isolavam da realidade. Lá dentro, eu tinha permissão para não sorrir ou gargalhar, ações escravizadoras no império da facécia. Uma boneca sempre estava ao meu lado, mas não como um brinquedo, e, sim, como o símbolo de Andreia. 
     Hoje, a menina de sete anos bate à porta, suplicando liberdade. Ela quer brincar e poder rir - sem gargalhar - das falsas necessidades de um mundo de aparências. E quando o sorriso não for possível, devido à tormenta de pensamentos dolorosos, ela quer poder construir sua cabana.